Prezado Affonso (Romano de Sant'Ana)
Em tempos de agressividade generalizada, nada como uma boa dose de Tempo de delicadeza.
Segunda-feira passada (12-04-2010) entrei em uma classe do Ensino Fundamental, um 8º ano, com 14 alunos extremamente falantes, em uma escola com um currículo alternativo. Não trabalhamos da forma convencional, com gramática e exercícios, mas com muita leitura e discussão de textos. Enfim, estamos, desde o início do ano, lendo poesia, histórias de amor e textos de teatro, particularmente os de Shakespeare. Mas tem havido uma angústia dentro de mim, especialmente relacionada à falta de sensibilidade, ao menosprezo com os textos, o apego à leitura de romances de vampiros, etc. Isso tem me doído muito. E eu, amante da linguagem poética, continuo insistindo.
Nesse dia, em especial, falava sobre a linguagem poética, presente, não apenas nos poemas, mas também em textos em prosa. Levei para a sala de aula o livro Tempo de delicadeza, autografado no último Cole e que, por isso, nunca sai do meu escritório em casa.
Mostrei a dedicatória. Eles pouco se importaram. Pedi silêncio e comecei a ler a crônica título do livro. Para minha surpresa, um silêncio sepulcral se instalou na sala. Alguns foram abaixando a cabeça. Os mais falantes mudos, ouvindo atentamente. Era como se o falar deles, não o meu, naquela hora, apagasse algo que eles queriam registrar, ou melhor, incorporar. Eu não estava acreditando, pois minha luta para uma atenção tão pontual tem sido constante.
Ao ler o parágrafo final Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados. O silêncio permaneceu. O remédio havia dado certo: uma boa dose de linguagem poética.
Decidi, então, dar uma dose mais generosa para a minha pior classe, um 9º ano, com um determinado grupo de alunos que só consegue olhar para si mesmo e ouvir suas músicas, gravadas em ipods. A tônica ali tem sido a agressividade, o palavrão e o desrespeito. Dura tarefa: sensibilizá-los com Tempo de delicadeza. E não é que deu certo? Lemos, conversamos pouco a respeito. Deixei que as palavras da crônica, como na outra sala, fizesse o efeito desejado. E eles começaram a produzir textos sobre tempo de.... Nesta semana recebo os textos e depois vamos expô-los na escola.
É, meu mais querido poeta, às vezes a poesia nos surpreende ainda mais do que imaginamos, mesmo em tempos de harrys potters e crepúsculos da vida.
Continue sempre poetando, pois ainda tenho muitos adolescentes para amarrar à leitura prazerosa.
Fernanda Torresan Marcelino
Fernanda, querida: uma carta como essa eu não a posso guardar egoisticamente só para mim. Tenho que alardeá-la, levá-la à praça pública, dependurá-la em todos os murais das escolas. Ainda hoje estive no escritório de Jason Prado, criador do LEIA BRASIL, folheando uns livros na sua estante, e vi os 3 volumes de crônicas de Cecília Meireles, organizados por Leodegário Azevedo, dedicados à educação e à leitura. Fernanda, você que se assina modestamente " Uma professorinha qualquer de Português", pertence à estirpe de Cecília, de Monteiro Lobato, de Mário de Andrade, de Paulo Freire, dessa geração do Cole e do Proler que nos últimos anos tem reinventado o espaço da leitura em nossa cultura.
Que felicidade imensa você me trouxe na véspera desse 21 de abril de tantos significativos em nossa memória.Assinado,
Um escritorzinho qualquer brasileiro
Em tempos de agressividade generalizada, nada como uma boa dose de Tempo de delicadeza.
Segunda-feira passada (12-04-2010) entrei em uma classe do Ensino Fundamental, um 8º ano, com 14 alunos extremamente falantes, em uma escola com um currículo alternativo. Não trabalhamos da forma convencional, com gramática e exercícios, mas com muita leitura e discussão de textos. Enfim, estamos, desde o início do ano, lendo poesia, histórias de amor e textos de teatro, particularmente os de Shakespeare. Mas tem havido uma angústia dentro de mim, especialmente relacionada à falta de sensibilidade, ao menosprezo com os textos, o apego à leitura de romances de vampiros, etc. Isso tem me doído muito. E eu, amante da linguagem poética, continuo insistindo.
Nesse dia, em especial, falava sobre a linguagem poética, presente, não apenas nos poemas, mas também em textos em prosa. Levei para a sala de aula o livro Tempo de delicadeza, autografado no último Cole e que, por isso, nunca sai do meu escritório em casa.
Mostrei a dedicatória. Eles pouco se importaram. Pedi silêncio e comecei a ler a crônica título do livro. Para minha surpresa, um silêncio sepulcral se instalou na sala. Alguns foram abaixando a cabeça. Os mais falantes mudos, ouvindo atentamente. Era como se o falar deles, não o meu, naquela hora, apagasse algo que eles queriam registrar, ou melhor, incorporar. Eu não estava acreditando, pois minha luta para uma atenção tão pontual tem sido constante.
Ao ler o parágrafo final Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados. O silêncio permaneceu. O remédio havia dado certo: uma boa dose de linguagem poética.
Decidi, então, dar uma dose mais generosa para a minha pior classe, um 9º ano, com um determinado grupo de alunos que só consegue olhar para si mesmo e ouvir suas músicas, gravadas em ipods. A tônica ali tem sido a agressividade, o palavrão e o desrespeito. Dura tarefa: sensibilizá-los com Tempo de delicadeza. E não é que deu certo? Lemos, conversamos pouco a respeito. Deixei que as palavras da crônica, como na outra sala, fizesse o efeito desejado. E eles começaram a produzir textos sobre tempo de.... Nesta semana recebo os textos e depois vamos expô-los na escola.
É, meu mais querido poeta, às vezes a poesia nos surpreende ainda mais do que imaginamos, mesmo em tempos de harrys potters e crepúsculos da vida.
Continue sempre poetando, pois ainda tenho muitos adolescentes para amarrar à leitura prazerosa.
Fernanda Torresan Marcelino
Fernanda, querida: uma carta como essa eu não a posso guardar egoisticamente só para mim. Tenho que alardeá-la, levá-la à praça pública, dependurá-la em todos os murais das escolas. Ainda hoje estive no escritório de Jason Prado, criador do LEIA BRASIL, folheando uns livros na sua estante, e vi os 3 volumes de crônicas de Cecília Meireles, organizados por Leodegário Azevedo, dedicados à educação e à leitura. Fernanda, você que se assina modestamente " Uma professorinha qualquer de Português", pertence à estirpe de Cecília, de Monteiro Lobato, de Mário de Andrade, de Paulo Freire, dessa geração do Cole e do Proler que nos últimos anos tem reinventado o espaço da leitura em nossa cultura.
Que felicidade imensa você me trouxe na véspera desse 21 de abril de tantos significativos em nossa memória.Assinado,
Um escritorzinho qualquer brasileiro
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